A Gestão Integrada de Recursos Hídricos nos Países Amazônicos e os ODS, por Luciana Sarmento

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS – foram adotados pelos Estados-Membros das Nações Unidas em 2015 como uma agenda universal de ações a serem realizadas até o ano de 2030 com o objetivo de erradicar a pobreza, proteger o planeta e garantir que todas as pessoas desfrutem de paz e de prosperidade. Os ODS se fundamentam na premissa de que o desenvolvimento requer o equilíbrio entre sustentabilidade social, econômica e ambiental e para lograr isso foram traçadas 17 metas que são integradas e, portanto, seus resultados são em grande medida interdependentes.

O ODS 6 é a meta relacionada à água que visa a garantia da disponibilidade e gestão sustentável de recursos hídricos e também saneamento para todos por meio de 8 metas cuja consecução será avaliada por meio de 11 indicadores. A meta 6.5 que objetiva ampliar mundialmente a Gestão Integrada de Recursos Hídricos – GIRH – é de particular interesse para a hidrodiplomacia uma vez que é fundamental para o manejo de águas transfronteiriças.

Cada um dos 17 ODS depende, em maior ou menor grau, da disponibilidade de recursos hídricos em qualidade e quantidade, em particular, a cooperação transfronteiriça da água pode ter um efeito positivo em quase todos os 17 ODS (Figura 1). Há uma relação clara entre o alvo dos ODS 6.5 que é a ampliação da implementação da Gestão Integrada de Recursos Hídricos e do Índice de Desenvolvimento Humano. Em relação aos recursos hídricos transfronteiriças os países não serão capazes de alcançar seus objetivos de desenvolvimento sustentável isoladamente e por isso devem concordar com acordos formais que lhes permitam fazê-lo. É evidente que os países podem colher os benefícios da cooperação transfronteiriça da água para seus amplos esforços de desenvolvimento sustentável. E isso pode beneficiar uma série de metas de ODS de uma forma muito mais econômica do que qualquer um dos países pode alcançar unilateralmente.

Figura 1: Integração da Meta 6.5 (implementação da GIRH em bacias transfronteiriças) com as demais Metas ODS

A mensuração do atingimento dessa meta de ODS 6.5 se dá por meio do indicador 6.5.1 dos ODS que mede o grau de implementação da GIRH e do indicador 6.5.2 dos ODS que mede a proporção de área de bacia transfronteiriça, incluindo rios, lagos e aquíferos dentro do país com um arranjo operacional em vigor para cooperação hídrica. Ambos os indicadores tem valores numa escala entre 0 e 100.

O indicador 6.5.1 é uma autoavaliação qualitativa do status da implementação da GIRH nos países que compartilham recursos hídricos e, no que tange especificamente à medição do progresso da gestão integrada das águas transfronteiriças, o indicador citado considera a existência de arranjos e de estrutura organizacional, o grau de compartilhamento de dados e informações e o financiamento para a cooperação na bacia.

Segundo a pesquisa publicada pela ONU em 2018 que avaliou pela primeira vez o progresso dos ODS no contexto mundial pela primeira vez, um terço dos países com bacias transfronteiriças (132 no total afirmaram possuir águas compartilhadas com outros países) disseram ter implementado a maioria dos arranjos para cooperação tais como tratados, convenções ou acordos; 37% dos países afirmaram que possuem a maior parte ou plenamente a estrutura organizacional para gestão; apenas 20% relatam dados e compartilhamento de informações eficazes e um somente terço dos países relatam fornecer mais de 50% dos fundos de financiamento acordados (UN WATER, 2018-a).

Em relação ao países que fazem parte da bacia hidrográfica amazônica que se estende à Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, exceto o último que não proveu informações, todos os outros países disseram ter, em alguma medida, arranjos e estruturas organizacionais em vigor para a implementação da GIRH. Na avaliação final do grau de implementação da GIRH em bacias transfronteiriças nos países amazônicos somente a Bolívia atingiu o nível médio alto (pontuação de 51-70), enquanto os demais se situam numa escala inferior a 50 pontos (Quadro 1).

Quadro 1: situação do indicador 6.5.1 do ODS 6.5 nos países Amazônicos

País Amazônico Grau de implementação da GIRH nas bacias transfronteiriças (métrica 0-100)
Bolívia Médio Alto (51-70)
Brasil Médio Baixo (31-50)
Equador Baixo (11-30)
Colômbia Médio Baixo (31-50)
Guiana Baixo (11-30)
Peru Baixo (11-30)
Suriname Muito Baixo (0-10)
Venezuela Sem dados

Fonte: UN WATER (2018 -a)

O indicador 6.5.2 que mensura a existência de arranjo operacional vigente para a cooperação hídrica verifica o atendimento de quatro critérios:

– Que exista un órgão conjunto, um mecanismo conjunto ou uma comissão para a cooperação transfronteiriça.

– Que os países ribeirinhos mantenham comunicações formais regulares (pelo menos uma vez por ano) na forma de reuniões (política ou técnica).

– Que existam planos de gestão conjunta ou coordenada de recursos hídricos ou que tenham sido estabelecidos objetivos conjuntos.

– Que realizem intercâmbio periódico de dados e informação (ao menos uma vez ao ano)

O resultado do primeiro relatório de ODS para o indicador 6.5.2 indica o percentual médio nacional de bacia transfronteiriça coberta por arranjo operacional de 59% para um conjunto de 62 países do universo de 153 países que compartilham águas transfronteiriças (UN WATER, 2018 – b).

No que se refere ao países da bacia amazônica, ainda que a aferição do indicador tenha sido prejudicada pois três dos oito países (Bolívia, Guiana e Venezuela) não forneceram informações, é possível verificar uma grande assimetria nos resultados tendo o Brasil e o Equador atingido patamares bastante altos, respectivamente 98,2% e 100% , enquanto que a Colômbia e a Venezuela estão no extremo inferior da escala de alcance do objetivo com valores inferiores a 10%.

Quadro 2: situação do indicador 6.5.2 do ODS 6.5 nos países Amazônicos

País Amazônico Grau de cooperação em matéria de bacias fluviais e lagos transfronteiriços (%)
Bolívia
Brasil 98,2
Equador 100
Colômbia 1,1
Guiana
Peru 14,1
Suriname
Venezuela 7,0

Fonte: UN WATER (2018 -b)

No que se refere a arranjos, estrutura organizacional e existência de um órgão conjunto tratados nos indicadores de atingimento da meta ODS 6.5, a bacia tranfronteiriça amazônica tem condições favoráveis por conta do Tratado de Cooperação Amazônica – TCA– e da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica – OTCA – que figuram como elementos definidores e facilitadores ao atendimento desse indicador.

O desafio maior reside no alcance de mecanismos de troca de dados e informações e na ampliação das fontes de financiamento itens também quantificados para a avaliação do grau de implementação da GIRH em bacias transfronteiriças.

Tanto o indicador 6.5.1 que avalia o status da implementação da GIRH, quanto os critérios de operacionalidade do indicador ODS 6.5.2, incluem saber se os países da bacia trocam dados e informações pelo menos uma vez por ano. A troca de dados e informações sobre águas transfronteiriças é fundamental para a cooperação, decisões e gestão conjuntas. Isso é também considerado em marcos internacionais. Os artigos 6º e 13º da Convenção das Águas e o artigo 9º da Convenção dos Cursos D’Água incluem uma obrigação firme dos países de trocar tais dados e informações sobre as condições de um determinado sistema transfronteiriço de rios ou lagos. Além disso, sob os dois instrumentos, os países são obrigados a aplicar seus melhores esforços para responder a pedidos de dados e informações que não estão prontamente disponíveis.

Dentre os benefícios da troca de dados e informações para a gestão de bacias transfronteiriças estão a compreensão das principais pressões relativas a um determinado sistema de água transfronteiriça; uma melhor apreciação das questões e problemas enfrentados por outros países da bacia; o aprimoramento de sistemas de alerta e alarme precoce; uma melhor compreensão das lacunas de dados; a harmonização de metodologias e padrões para coleta de dados e, sobretudo, o planejamento mais eficaz de gestão de bacias hidrográficas tranfronteiriças.

A despeito da existência de condições institucionais favoráveis na bacia amazônica, ainda há uma assimetria considerável entre os países envolvidos que prejudica o alcance satisfatório da GIRH em águas transfronteiriças. A superação desses limitantes, principalmente em relação a produção e troca de dados confiáveis que possam subsidiar as diversas atividades de planejamento, é um dos desafios que temos para lograr até 2030 avanços na implementação da GIRH na bacia amazônica.

Bibliografia Consultada

UN WATER. 2018 (a). Progress on Integrated Water Resources Management: Global Baseline for SDG 6 Indicator 6.5.1: Degree of IRWM Implementation; UN WATER: Geneva, Switzerland. p. 69. Disponível em https://www.unwater.org/publications/ progress-on-integrated-water-resources-management-651/. Acesso em outubro de 2020.

UN WATER. 2018 (b). Progress on Transboundary Water Cooperation: Global Baseline for SDG indicator 6.5.2. UN WATER: Geneva, Switzerland; p. 80. Disponível em https://www.unwater.org/publications/progress-on-transboundary-water-cooperation-652/. Acesso em outubro de 2020.

Sobre a autora

Luciana Sarmento é Doutora em Tecnologia Ambiental e Recursos Hídricos pela Universidade de Brasília

Como citar este artigo

[cite]